Anatomia Humana: uma história

Uma Breve Introdução

A anatomia humana é a ciência que estuda micro e macroscopicamente as estruturas do corpo, sua constituição e desenvolvimento. O termo deriva do grego antigo que significa “cortar em partes”, ou seja, cortar e separar as partes do corpo humano para fins de conhecimento. Um dos métodos utilizados na disciplina é a dissecção, onde um organismo morto é aberto e seus órgãos internos são expostos para serem estudados. 

O caráter científico desta ciência surge no período da renascença com Andreas Vesalius (1514-1564), considerado “o pai da anatomia moderna”, no entanto, as técnicas anatômicas já eram praticadas por povos e civilizações na antiguidade, ainda que de maneira rudimentar. Os estudiosos da época obtinham conhecimento sobre anatomia estudando animais, até começarem a dissecar corpos humanos, o que permitiu compreender o real funcionamento do corpo e suas estruturas.

Antiguidade

Egito antigo:

O Egito antigo, uma das mais importantes e grandiosas civilizações da antiguidade, desenvolveu uma rica cultura e foi palco para o surgimento de diversas invenções em diferentes áreas do saber.

Sobre anatomia humana, sabe-se que os egípcios tinham um conhecimento sobre o coração e seus vasos, os rins e a bexiga. As mumificações, que tinha um caráter mais religioso do que científico, eram práticas comuns a eles; a técnica usada tinha como objetivo conservar restos mortais de seres humanos e animais. Criam que era fundamental à passagem para outra vida. No ritual, os órgãos eram retirados, exceto o coração, que era considerado o “Sol” do corpo.

Fig. 2: ritual de mumificação

Um dos tratados médicos mais antigos e de grande relevância histórica também foi escrito no antigo Egito: o papiro de Ebers. Datado de 1.550 a.C., contendo 110 páginas e 700 fórmulas mágicas e remédios populares, feitos a partir de plantas e minerais, além de uma descrição precisa do sistema circulatório.

Outro papiro muito conhecido é o de Edwin Smith, provavelmente escrito entre 1.700 e 1.500 a.C. 48 casos clínicos estão relatados, cada um contando com a sua lista de sintomas, possíveis causas e tratamentos.

Fig. 3: papiro de Edwin Smith

Grécia: 

Conhecido como “pai da medicina”, Hipócrates (460 a.C. – 370 a.C.) realizava suas observações anatômicas dissecando animais. Entendia que o fígado era o órgão da preparação do sangue. Possuía, também, alguns conhecimentos sobre a estrutura esquelética e muscular e reconheceu a valva tricúspide do coração.

Fig. 4: Hipócrates de Cos, pai da medicina

Os estudos tiveram um avanço considerável por volta do século IV a.C. na Alexandria com Herófilo e Erasístrato. O cadáver humano, pela primeira vez, estava sendo usado para pesquisa. 

Herófilo da Calcedônia (335 a.C. – 280 a.C.), dissecou o corpo humano, fazendo um estudo sistemático da anatomia humana. Descreveu a distribuição, o formato e o tamanho dos órgãos. Fígado, pâncreas e órgãos sexuais foram alguns dos estudados por ele. Em conjunto com seu amigo Erasístrato de Quios, fundou a ‘Escola de Medicina de Alexandria’, impulsionando os estudos das ciências anatômicas.

Um nome que viveu no período romano e influenciou a medicina ocidental por mais de um milênio foi Cláudio Galeno. Dissecava apenas animais: macacos e porcos. Embora estudiosos tenham encontrado imprecisões em seus trabalhos posteriormente, como a crença de que o sistema circulatório consistia em dois sistemas unidirecionais de distribuição de sangue em vez de um único sistema unificado, ele realizou descobertas notáveis. Distinguiu ossos com e sem cavidade medular, provou que as artérias conduzem sangue e não ar, foi o primeiro a demonstrar que o rim é um órgão excretor de urina e reconheceu as diferenças entre o sangue venoso e arterial.

O Medievo

Europa Cristã:

Na era medieval as dissecções humanas foram proibidas por razões éticas e religiosas. O estudo da anatomia e anatomia humana ficou estagnado no Ocidente e desenvolveu-se no mundo islâmico. 

Mundo Árabe:

O médico persa, Avicena, que viveu no século XI, bebia das fontes de Galeno. Seu trabalho mais conhecido foi uma obra de cinco volumes chamada ‘O Cânon da Medicina’, nela abrange características da medicina da época, incluindo teoria e prática, diagnósticos, farmacologia e cirurgia. 

Fig. 5: Avicena, médico persa

Ibn Zuhr foi um médico muçulmano que constatou que a escabiose é causada por um parasita, esta descoberta contrapunha a teoria dos humores defendida pelos gregos. 

O “pai da teoria da circulação” era o médico Ibn al-Nafis. Viveu em meados do século XIII e se destacou em realizações de necropsia.  Criou novos sistemas de anatomia que substituíram a teoria dos quatro humores de Avicena e Galeno, também relatou sobre os ossos, os músculos, a pulsação do coração e a circulação pulmonar e coronária.

Era Moderna: Tempos de Restauração

Durante um período de 1200 anos, a dissecção de cadáveres humanos foi proibida. Em 1315, Mondino de Luzzi foi reconhecido como o “restaurador da anatomia”, ao realizar dissecações públicas em Bolonha e publicar sua obra ‘Anatomia’ em 1316, contribuindo significativamente para o retorno do estudo anatômico.

O ‘Homem Vitruviano’, de Leonardo da Vinci (1452-1519), é um estudo sobre as proporções do corpo humano. Nos seus cadernos anatômicos, Da Vinci registrou cerca de 1.200 desenhos anatômicos, todos feitos por ele. Seus desenhos apresentam um nível impressionante de detalhamento, como a representação da posição do feto no interior do útero e a estrutura dos grupos musculares, incluindo os músculos do dorso e dos membros superiores.

Fig. 6: Homem vitruviano, estudo de Da Vinci

As ilustrações anatômicas começaram a ser impressas na última década do século XV, com a criação da imprensa de Gutenberg. A invenção da prensa facilitou a produção em massa de livros, possibilitando a disseminação mais ampla de conhecimentos anatômicos. 

Fig. 7: Andreas Vesalius

Andreas Vesalius (1514-1564), conhecido como o “pai da anatomia moderna”, é autor do livro ‘De humani corporis fabrica’, uma obra fundamental para o desenvolvimento da anatomia científica. Esse texto estabeleceu os alicerces da anatomia moderna e inspirou uma série de sucessores. A produção de ilustrações baseadas na dissecação tornou-se um componente essencial para o estudo anatômico. Vesalius também desafiou algumas das ideias de Galeno, demonstrando que certos aspectos de suas descrições estavam errados.

Interessado no trabalho de D’Acquapendente (cirurgião e anatomista italiano), William Harvey (1578-1657) especialmente em sua obra ‘De Venarum Ostiolis’, dedicou-se ao estudo da circulação sanguínea. Ele foi o primeiro a demonstrar de maneira convincente que a circulação do sangue ocorre através das artérias e veias. Harvey realizou experimentos para entender a função do coração no bombeamento do sangue, e seu raciocínio matemático permitiu calcular o volume de sangue no corpo humano. Isso contrasta com a teoria de Galeno, que afirmava que o sangue era produzido no fígado, uma ideia que Harvey refutou com suas descobertas.

Marcello Malpighi (1628-1694), pai da anatomia microscópica, foi um defensor do uso de métodos experimentais no estudo do corpo humano. Utilizando o microscópio, ele fez importantes descobertas, como a observação dos capilares nos alvéolos pulmonares e os folículos da epiderme. Seu trabalho pioneiro com o microscópio estabeleceu as bases para o entendimento das estruturas celulares e teciduais, revolucionando a anatomia e a biologia.

Os séculos XVI e XVII testemunharam avanços no entendimento do sistema circulatório, das funções das válvulas cardíacas e venosas. Era comum que os estudantes viajassem pela Europa para realizar dissecações, aproveitando corpos disponíveis, como os de criminosos enforcados, uma vez que não havia meios eficazes de preservar os cadáveres por longos períodos após a morte.

Século XIX

A anatomia avançou significativamente no século XIX, impulsionada por novos métodos e descobertas científicas. Houve uma integração com as disciplinas de biologia e histologia, permitindo uma compreensão mais detalhada das estruturas corporais em nível microscópico. Além disso, o desenvolvimento de modelos anatômicos e atlas ilustrados aprimorou o ensino e a pesquisa, tornando o estudo do corpo humano mais preciso.

Walter Gaskell (1847 – 1914) era conhecido pelas suas contribuições que ajudou a compreender o funcionamento cardíaco. Descobriu “fibras musculares especiais que conectam os átrios aos ventrículos e que, se forem cortadas, causam bloqueio”. Isso mostrou como os sinais elétricos passam pelo coração para manter o ritmo dos batimentos. 

A teoria da origem das espécies proposta por Charles Darwin (1809-1882) revolucionou a teoria da evolução. Aproximou anatomia humana, animal e vegetal ao mostrar que todas as espécies compartilham ancestrais comuns. Ele revelou semelhanças estruturais e funcionais entre os organismos.

Fig. 8: Charles Darwin

Anatomia Hoje

Inovações tecnológicas transformaram os estudos da anatomia humana nos últimos 100 anos. Métodos como ultrassonografia e radiografia agora permitem a visualização de estruturas internas em pessoas vivas.

O ensino também evoluiu com a introdução de simuladores computadorizados, dissecções virtuais e peças sintéticas que replicam órgãos humanos. Essas ferramentas substituem parcialmente o uso de cadáveres, oferecendo alternativas práticas no aprendizado anatômico.

Fig. 9: Órgãos sintéticos do corpo humano

Além da medicina, a anatomia tornou-se uma disciplina fundamental em diversas áreas, como enfermagem, nutrição, biomedicina e engenharia biomédica. Esse conhecimento é indispensável para o desenvolvimento de tratamentos, fármacos e dispositivos médicos que promovem avanços na saúde e na qualidade de vida.

Talita Keller
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